A falta de vitamina B3 está transformando hamsters franceses em animais mais agressivos e até canibais. A dieta desses pequenos animais onívoros, que no passado incluía raízes, pequenos insetos e grãos, mudou nas últimas décadas com a substituição da variada mata nativa por monótonas plantações de milho – cereal que não contém o nutriente essencial, também conhecido como niacina ou ácido nicotínico.
Essa deficiência nutricional – chamada “pelagra” – também atinge o ser humano. Ela já foi comum no sul dos Estados Unidos entre a Primeira Guerra Mundial e a década de 1940, quando atingiu mais de 3 milhões de pessoas. Ainda hoje, a pelagra se manifesta em menor escala em países subdesenvolvidos, como a Índia. Seus sintomas são conhecidos como os três “Ds”: dermatite, diarreia e demência.
Uma versão canina da doença já era conhecida desde 1937. Seu sintoma mais típico estava na língua dos cachorros, que ficava escura, quase preta. Em 1938, três médicos liderados pelo Dr. Tom Spies descobriram que as duas condições eram na verdade análogas, e que a niacina usada para tratar os cães também poderia curar seres humanos – uma conclusão que salvou milhares de vidas e rendeu a ele o título de homem do ano da revista Time.
Mais de 60 anos depois, foi a língua mais escura dos hamsters que denunciou a deficiência. Liderados por Mathilde Tissier, biólogos da Universidade de Estrasburgo já suspeitavam que a redução da população de roedores da região não estava associada à disseminação e mecanização da produção agrícola. Haveria outras razões, como o envenenamento por agrotóxicos ou a destruição das tocas subterrâneas por colheitadeiras no inverno, que é um período de hibernação. Nenhuma das duas variáveis, porém, causou alterações demográficas notáveis.
Com a pista da língua negra em mãos, os pesquisadores foram para o laboratório e passaram algum tempo alimentando fêmeas grávidas com dietas ligeiramente diferentes: algumas comiam milho, outras, trigo. Ambas ganhavam minhocas de guarnição. O número de filhotes e sua saúde ao nascer foram iguais nos dois casos, mas enquanto 80% das crias de fêmeas que se alimentavam de trigo passaram do estágio do desmame, só 5% dos filhotes com mães que comiam milho alcançaram a mesma idade.
O filhotes eram armazenados com o cereal, como uma espécie de estoque alimentar, e então comidos vivos. Outros sintomas, como sangue espesso e agressividade incomum com seres humanos – os hamsters são, em geral, dóceis – resolveram a charada.
“Dietas impróprias baseadas em milho já foram associadas a taxas mais altas de homicídio, suicídio e canibalismo entre seres humanos“, afirmaram os pesquisadores em uma declaração ao Phys.org. “Sabendo que há espécies ameaçadas de extinção… [por oferta imprópria de nutrientes], é urgente aumentar a variedade de plantas cultivadas.”